Nossa história

A cidade de São João da Boa Vista, SP, foi fundada em 1824. Durante todo o século XIX, a população contou com precários meios de atendimento médico, até que em fins do século, a partir de uma doação de 30 contos de réis, feita por Dona Carolina Malheiros, deu-se a construção da Santa Casa local. Com esta primeira doação, aliada a campanhas que contaram com grande participação popular, a Santa Casa de Misericórdia “Dona Carolina Malheiros” pode ser inaugurada em 6 de agosto de 1899. Desde o início, voltou-se para o atendimento da população mais carente e, em 1916, passou a contar com o apoio das Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. Com o crescimento populacional e o progresso da medicina, a antiga Santa Casa passou a apresentar dificuldades para manter o atendimento, iniciando-se, na década de 40, o projeto de construção da nova sede, inaugurada em 1962. De lá para cá, a Santa Casa foi modernizando-se, acompanhando os avanços tecnológicos e suprindo as necessidades da população. Completou seu centenário, sem nunca ter fechado suas portas e mantendo sempre os princípios que regem as Misericórdias de todo o mundo, atendendo aos doentes desvalidos.

SÃO JOÃO DA BOA VISTA

O município de São João da Boa Vista originou-se nas terras da “Área do Secretário”, conhecida desde o século XVIII e proibida a qualquer desbravador dos sertões.

Cercada pela Serra da Mantiqueira e dotada de boas terras, começou a atrair aventureiros dispostos a ali se fixarem e desenvolverem uma produção agrícola. Em 1824, por intermédio do Monsenhor João José Vieira Ramalho, o mineiro Antônio Manoel de Oliveira (conhecido como Antônio Machado), residente no local, doou um terreno para a formação da futura povoação. A capela foi construída, sendo a freguesia criada em 1838, com o nome de São João da Boa Vista. Influenciados por Monsenhor Ramalho, muitos lavradores mudaram-se para a região e o povoado desenvolveu-se.

Em 1859, foi elevada à categoria de Vila, a Cidade em 1880 e a Comarca em 1885. Com a inauguração da Estrada de Ferro Mogiana, em 1886, pelo Imperador Dom Pedro II, a cidade passou a apresentar grande progresso econômico e cultural que, aliado ao desenvolvimento da produção do café, mudou radicalmente a fisionomia da cidade.

ORIGENS DA SANTA CASA

Durante todo o século XIX, a população de São João da Boa Vista que precisava de cuidados médicos dependia, quase sempre, de pessoas não habilitadas (os chamados curadores) ou era atendida por alguns médicos, que exerciam a arte de curar com mínimos recursos, provenientes de cidades da região, como o Dr. Anders Regnell, de Caldas, Minas Gerais. Os atendimentos, muitas vezes, eram feitos no domicílio dos pacientes, sob condições muito desfavoráveis. Para os residentes de zonas rurais enfrentavam-se também as dificuldades de acesso. Frente a este quadro, surgiram algumas pessoas dotadas de espírito altruísta que passaram a se dedicar a um projeto de implantar na cidade um hospital, principalmente para abrigar os menos afortunados.

O primeiro impulso foi dado em fevereiro de 1891 por Dona Carolina Augusta dos Santos Malheiros Vasconcellos que doou, em testamento, 30 contos de réis para a criação da Santa Casa local. Formou-se, então, uma direção provisória, presidida por Antônio Benedicto dos Santos Malheiros, ilustre advogado e irmão de Carolina, que organizou uma campanha na cidade para conseguir o terreno. Em 13 de maio de 1891, a pedra fundamental foi lançada, porém, o projeto inicial não progrediu, pois o terreno conseguido localizava-se no centro da cidade e as normas sanitárias da época não aconselhavam a instalação de um hospital próximo a aglomerados humanos. O impasse somente se resolveu quando, em 1893, Conrado Marcondes de Albuquerque e esposa doaram, em vida, um terreno em loteamento na periferia da cidade.

Em 1895, foi lançada “outra” pedra fundamental e iniciada a construção do prédio. A doação inicial mostrou-se insuficiente logo no princípio da construção, levando o autor do projeto, o engenheiro Alfredo Emílio Pacheco de Mello, a idealizar uma quermesse para obter novos recursos. A quermesse foi realizada em junho de 1896 e contou com a participação popular, arrecadando 24 contos de réis, permitindo apenas a construção das paredes do prédio. As obras foram novamente paralisadas até 1898, quando foi eleito provedor o Dr. Francisco Carneiro Ribeiro Santiago, o qual organizou uma campanha para recuperar e terminar a construção do prédio e conseguir materiais indispensáveis para o adequado funcionamento do estabelecimento. No dia 6 de agosto de 1899, a Santa Casa de Misericórdia “Dona Carolina Malheiros” foi solenemente inaugurada.

Foto tirada no ano de 1920

 

PRIMEIRO PRÉDIO E INÍCIO DAS ATIVIDADES

O primeiro prédio da Santa Casa abriu suas portas no dia 15 de agosto de 1899. Era um majestoso edifício em estilo neoclássico. Interiormente, era composto por acomodações de grandes dimensões, salientando-se a preocupação da época em permitir uma adequada circulação de ar. Havia uma grande sala de espera, que se comunicava com a administração e a farmácia. Havia, também, uma sala destinada a realização das cirurgias, além das enfermarias masculina e feminina. Três compartimentos, localizados aos fundos das enfermarias, serviam para os enfermeiros, rouparia e passagem para os banheiros. A cozinha encontrava-se nos fundos do prédio e, entre as enfermarias, havia um salão de refeição para os pacientes convalescentes.

Desde os primórdios de suas atividades, sempre houve esforços para que a Santa Casa pudesse funcionar de forma a executar perfeitamente seu estatuto, aprovado no consistório da Igreja Matriz em 3 de abril de 1897, dando constituição jurídica à Santa Casa, inscrita no Cartório de Registro Geral da Comarca, em 7 de setembro de 1900, como “Irmandade de Misericórdia de São João da Boa Vista”.

Na época da fundação da Santa Casa, a cidade contava com cerca de 20 mil habitantes, mais especificamente 23.953, conforme levantamento realizado pelo Club da Lavoura em 1900.

A maior parte dos atendimentos realizados durante o início do século a pessoas de baixa renda, principalmente da zona rural, era gratuita, mas, havia também internações de particulares pagantes. Parturientes e até mesmo alguns casos cirúrgicos eram atendidos em casa, da mesma forma que alguns pacientes com doenças infecciosas. Não havia muitas consultas, sendo no máximo dez por dia no ambulatório. Havia poucas medicações, sendo a maioria manipulada. Os exames laboratoriais eram primitivos e o primeiro aparelho de raio-x só foi comprado em 1928, sendo um aparelho portátil da General Electric, que era até levado à casa de alguns pacientes, quando necessário.

Foto tirada no ano de 1930

 

IRMÃS DE CARIDADE

Durante os primeiros anos de funcionamento, a Santa Casa dependia do serviço de um casal de espanhóis, Jacinto e Dolores Durão, para realizar o serviço de enfermagem, cuidando de todos os doentes. Com o crescimento da população, o serviço começou a ficar demasiado para o casal. Foi, então, que a mesa administrativa passou a procurar meios de aumentar o número de funcionários, sem aumentar muito as despesas. A saída encontrada foi buscar o auxílio das Irmãs de Caridade, que, além de assistir aos doentes, poderiam fornecer pessoal especializado, como enfermeiras e farmacêuticas. Realizaram-se, então, várias tentativas, até que em 1916, quando era provedor Dr. Alípio Noronha Gomes da Silva, conseguiu-se firmar um convênio com as Irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. Com a ajuda da população sanjoanense, foram feitas reformas no prédio, com as devidas acomodações e construção da capela. Em pouco tempo, as Irmãs passaram a assumir diversas funções no Hospital e rapidamente adquiriram a confiança da população.

Foto tirada no ano de 1934

EVOLUÇÃO E SEGUNDO PRÉDIO

A Santa Casa continuou atendendo a todos os necessitados de forma ainda mais especializada com a chegada das Irmãs de Caridade. No entanto, com o crescimento populacional e a evolução da medicina, que não mais se limitava a atendimentos domiciliares, começaram as preocupações com o prédio, que até o início da década de 40, havia sofrido poucas alterações em relação ao prédio original, o qual começava a se mostrar insuficiente.

Por volta de 1940, a mesa administrativa comprou um terreno em local distante do antigo prédio, e o engenheiro Francisco Palma Travassos elaborou um projeto para a nova Santa Casa. Como o prédio antigo era próximo ao cemitério e o novo bastante distante, surgiu uma polêmica na cidade que só se resolveu quando Zilda Carvalho, enfermeira que trabalhava no Instituto de Higiene de São Paulo, informou sobre a volta ao Brasil do Professor Odair Pedroso, que havia feito um Curso de Administração Hospitalar, em Chicago. Tomando conhecimento da polêmica, ele não aconselhou a mudança e sim a construção de uma nova Santa Casa no mesmo local. Posteriormente, o Professor Odair Pedroso compareceu à cidade e, diante dos dados estatísticos, elaborou um projeto adequado à realidade local. A pedra fundamental foi lançada em 13 de março de 1947, sendo provedor, nesta época, o senhor Abel da Silva Pinto Vieira.

Foram criadas diversas comissões que auxiliaram a diretoria administrativa na construção da nova Santa Casa, sendo importante também a participação da Igreja, por meio de festas religiosas, e da ajuda popular. No entanto, grande parte do dinheiro veio do governo estadual, na gestão dos Governadores Jânio Quadros e Carvalho Pinto. Tudo foi feito com muita economia, mas sempre respeitando o projeto original de acordo com as mais modernas normas de construção. O responsável pela obra foi o Licenciado Luiz Todescato, profissional do Escritório de Engenharia de Gastão Cardoso Michelazzo. A primeira etapa da Nova Santa Casa foi inaugurada em 1952, compreendendo o 1º Pavilhão (Maternidade, Berçário e Pediatria) e o 2º Pavilhão (Seção B e Centro Cirúrgico). Em 1962, quando era provedor o Dr. Palmyro Ferranti, foi inaugurada a fase final da Santa Casa.

O novo prédio foi construído totalmente de acordo com as normas adotadas nos países desenvolvidos. Após sua inauguração, passou por diversas reformas e acréscimos. Quanto ao prédio antigo, nada mais restou, sendo totalmente substituído por novas dependências.

Foto tirada no ano de 1972

SITUAÇÃO ATUAL

A Santa Casa de Misericórdia “Dona Carolina Malheiros” continua sendo administrada pela Irmandade de Misericórdia de São João da Boa Vista, estando vigente o estatuto de 1967 com alterações e adequações necessárias posteriores.

Periodicamente é realizada a escolha da nova Mesa Administrativa e Conselho Fiscal, além da Diretoria Clínica. A Irmandade acompanhou todas as evoluções necessárias frente aos avanços tecnológicos da medicina e as necessidades da população, constituindo hoje um hospital adequado a todas as exigências, tanto no que diz respeito aos atendimentos e procedimentos médicos e/ou de enfermagem, quanto a exames laboratoriais e de imagem.

Há alguns anos está em funcionamento o Plano de Saúde da Santa Casa, já consagrado na cidade e região e que, somado a outras fontes de renda, como arrendamento da Fazenda Lagoa Formosa, doada pelo casal Christiano Osório de Oliveira Filho (Bilu) e Maria Ferreira da Costa (Rosinha), bem como aluguéis de imóveis doados à Irmandade, têm permitido o adequado funcionamento da instituição.

Como todos os hospitais e instituições filantrópicas, que também dependem de auxílio do governo, a Santa Casa não deixou de passar por transtornos financeiros, sem, contudo, nunca ter interrompido a prestação de serviços.

Passados mais de cem anos, o comentário do engenheiro e intelectual Luiz Gambeta Sarmento, publicado no jornal Cidade de São João, no dia 6 de agosto de 1899, quando da inauguração da Santa Casa, infelizmente continua sendo válido no âmbito da saúde pública brasileira: “Só lamento que o Governo, que tem sempre as arcas do tesouro abertas para receber hóspedes para festas, jantares regados a bom vinho e champanha à sobremesa, com os competentes discursos de engrossamento, tivesse-as fechado para a Santa Casa de Misericórdia, negando-lhe um auxílio para sua manutenção. Pobre Povo! O nosso governo está gangrenado! Rezemos por sua alma!”.

Foto atual do hospital.

 

Rodrigo Rossi Falconi é médico e membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina e da Academia Poços-Caldense de Letras.

BIBLIOGRAFIA

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ANDRADE, Theophilo Ribeiro de. Subsídios à história de São João da Boa Vista – Volume II. São Paulo: Scortecci Editora, 2003.

FALCONI, Rodrigo Rossi. Logradouros de São João da Boa Vista. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.

KIELLANDER, Carlos (Editor). O Município de São João da Boa Vista na Exposição de 1908. São João da boa Vista: Officina Typographica Kiellander & Irmão, 1908.

MARTINS, Antonio Gomes. Almanach de São João da Boa Vista para o Ano de 1901. São João da Boa Vista: Edição do Autor, 1901.

MARTINS, Antonio Gomes. O Município de São João da Boa Vista. São João da Boa Vista: Typographia Cidade de São João, 1910.

SILVA, Maria Leonor Alvarez; SALOMÃO, Matildes Rezende Lopes. História de São João da Boa Vista. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1976.

Coleção do Jornal Cidade de São João.

Coleção do Jornal O Município.

Coleção do Jornal Santa Casa Notícias.